Depois de uma declaração de união estável em 33 páginas de versos, pela qual ficou conhecido, o juiz Liciomar Fernandes repetiu a sutileza e sensibilidade, em Jaraguá. Desta vez, o poema foi escrito ao conceder à uma menina de 11 anos o direito de ter dois pais – um socioafetivo e um biológico – em seu registro, além do nome da mãe.
A história da família caiu na Justiça a partir de um pedido do pai socioafetivo da menina que havia solicitado, há cerca de um ano e meio, a retirada do nome dele da certidão de nascimento dela. No entanto, durante o processo, o próprio homem que havia entrado com a ação desistiu da mesma e o juiz pode conceder à garota o direito de ter dois pais.
Fernandes contou que é escritor de versos e prosa e que, como todo escritor, tem sempre o desejo de contar uma boa história. Segundo ele, os versos são uma forma de dar um pouco mais de leveza a um trabalho normalmente rígido e formal.
“Geralmente o que inspira a gente é o tema. Me chamou a atenção a história, senti uma necessidade de trazer uma sensibilidade maior”, comentou.
O magistrado disse que o pai socioafetivo e a mãe da criança se separaram e fizeram um teste de DNA, que comprovou que ele não era o pai biológico da menina. Desde então, a garota perdeu um pouco de contato com ele e passou a conviver também com o pai biológico, que quis reconhecer a paternidade.
O juiz, no entanto, observou o carinho e a afetividade entre ela e os dois pais – o socioafetivo e o biológico. No poema-decisão, ele relata:
No decorrer do processo
não restou dúvida da afetividade
existente entre o requerente e a requerida.
O carinho demonstrado por um e outro
e o elo de afeto criado
por eles no decorrer dos anos
não pôde ser desfeito com o pingar
frio da tinta da caneta de um julgador.
[...]
EEAJ veio em juízo revelar
que o pai biológico, já faz
um tempo, que passou a visitar.
E, até, aos novos avós a se encontrar.
Inegável a já coexistência de, também,
afeto e amor a ela a nova família
a se dedicar.
Durante a decisão, o magistrado também ponderou que, no final das contas, a mais prejudicada em toda a história é a menina.
“O judiciário tem que ter um olhar diferenciado para a criança, ela tem que ser protegida. No caso desse processo, a menina sofria uma situação da qual não teve culpa”, explicou
Portanto, segundo ele, não caberia a ela mais a responsabilidade de escolher um dos pais, como ele disse que acontece em casos similares.
É que a fria
análise laboratorial de DNA
não se mostra capaz
de traduzir, negar
ou tampouco vínculos
tecidos em outras bases,
como no afeto se comprovar.
[...]
Os olhos daquela criança diziam
que ela não queria estar ali para dizer
com qual pai queria ficar.
O biológico ou o afetivo?
Trazendo um “final feliz” para o processo, o juiz negou o pedido inicial para retirar o nome do pai socioafetivo dos registros da filha, e determinou a inclusão do nome do pai biológico dela nos documentos.
[...]
e ambos manifestaram o desejo irrefutável
na paternidade da investigada,
se fazer permanecer e outro iniciar.
Inclusive, para que o nome de ambos
no registro se fazer constar.
[...]
Então, ela não acreditando,
fixa aquele olhar,
abre aquele sorriso enorme,
estonteante e percebe
que teria dois pais.
Não dá para descrever
tamanha alegria em um só olhar.
Naquele coração que até então
era só tristeza e decepção,
uma luz passou a brilhar.
E, de repente, a vontade
de uma criança
no mundo jurídico
se vê transformar
em uma realidade inegável
nos tempos atuais. A família
moderna quando o amor pedir
a um só pai não se deve limitar,
pois situações como
a da presente demanda
sempre existirá.
“Na verdade, a gente procura dar um pouco de vida a esse formalismo. Porque o poeta vive inventando, gosta de escrever. Eu escrevo todo dia. Se fosse possível, faria todas as sentenças assim”, brincou.
Fonte:G1-GO