24 de Março de 2020, 03:07
  -  Viagem - Itália
'Lugar mais seguro da Terra': italiano vive sozinho em uma ilha há 30 anos

Há mais de 30 anos, Mauro Morandi é o único habitante de uma bela ilha no mar Mediterrâneo. Nas últimas semanas, sua cabana de eremita tem sido um local isolado adequado para observar o desdobramento da crise global do coronavírus.

E após ficar sozinho com seus próprios pensamentos durante a maior parte de sua vida, tem uma ideia sobre o isolamento que muitos de nós agora enfrentaremos nas semanas e meses a seguir.

 

Morandi, um ex-professor, chegou à ilha de Budelli, na costa da Sardenha, sem querer, enquanto tentava navegar da Itália para a Polinésia 31 anos atrás. Ele se apaixonou pelas águas cristalinas do atol, as areias de corais e o lindo pôr do sol – e decidiu ficar.

 

Ele assumiu o cargo do zelador anterior pouco tempo depois e, aos 81 anos de idade, ainda está lá, tendo conquistado a reputação de ser o Robinson Crusoé italiano.

 

Toda noite ele dorme em uma velha cabana de pedra e acorda de manhã rodeado pela mãe natureza. Morandi gosta de explorar arbustos e falésias e conversa com pássaros no café da manhã enquanto entram e saem pela pequena janela de sua cozinha.

 

Mas ele acompanha as notícias, se informando primeiro sobre o fechamento da Itália continental contra a propagação do coronavírus e depois sobre o resto do mundo.

 

Em seu mundo solitário, ele diz que atualmente sente que está no "lugar mais seguro da Terra". Ele também está ansioso para compartilhar algumas dicas sobre como melhor enfrentar o autoisolamento.

 

"Estou bem, não estou com medo", diz ele ao Jornal por telefone celular, sua conexão com o mundo exterior. "Eu me sinto seguro aqui. Esta ilha oferece proteção total. Nada de riscos. Ninguém pousa, não se vê nem mesmo um único barco navegando por aqui."

Tempos difíceis

 

Como muitos de nós, a principal preocupação de Morandi é com o bem-estar de sua família e amigos – no seu caso, morando em Modena, no norte da Itália, uma das áreas mais atingidas pelo vírus na Itália.

"Eles estão enfrentando tempos difíceis", afirma Morandi.

 

Pouco mudou para Morandi desde o surto do vírus na Itália, exceto que agora ele deve esperar mais tempo para que as pessoas lhe tragam comida do continente, por conta de duras restrições impostas pela prefeitura de Roma.

 

 

Isso significa que até as visitas esporádicas de turistas durante o inverno cessaram. Ao longo dos anos, ele se acostumou a receber visitantes diurnos, fazendo amizade com eles e às vezes compartilhando suas refeições com eles.

 

Quando sozinho, passa o dia admirando o mar, inalando o ar puro, coletando madeira, preparando suas refeições e, claro, postando no Instagram.

 

"Fico entediado, então passo tempo tirando fotos das praias, da vida selvagem e da paisagem, editando essas fotos e depois compartilhando-as nas redes sociais e no Instagram", diz. "Eu tenho muitos seguidores."

 

O marujo barbudo acredita que o fechamento causado pelo vírus, se continuar, significa que os turistas vão ficar longe pelo menos até julho, mas a perspectiva de um verão mais tranquilo não o assusta.

 

Morandi tem algumas dicas para as pessoas agora forçadas ao isolamento na Itália e em outros lugares por causa da pandemia. Ele diz que algumas semanas dentro de casa não são motivo para as pessoas ficarem perturbadas, mas uma oportunidade para examinarem suas vidas, suas crenças.

 

Ele conta que diz isso por experiência própria. Apesar de ter uma ilha inteira para si, até os invernos no Mediterrâneo podem ser duros, passando muitos meses confinado.

 

"Passo todo inverno fechado em casa, por meses a fio quase não ando pela ilha, mas fico na varanda sob o toldo para matar o tempo. Então, puxa vida, as pessoas não conseguem ficar em casa por duas semanas? Isso é um absurdo."

 

Enquanto a Itália aumenta as restrições à movimentação para controlar o vírus, dezenas de italianos foram multados nos últimos dias por deixarem suas casas por motivos não urgentes, como passear no parque ou na praia.

De andarilho a eremita

 

"Eu leio bastante, penso. Acho que muitas pessoas têm medo de ler porque, se fizerem isso, começarão a meditar e a pensar em coisas, e isso pode ser perigoso."

 

"Se você começar a ver as coisas sob uma perspectiva diferente e for crítico, pode acabar vendo a vida miserável você leva ou a pessoa má você é ou as coisas ruins que você fez."

 

Essa introspecção pode, afirma ele, ser extremamente gratificante. Morandi relata sua própria transformação de um andarilho inveterado que viajava pela Europa todo ano a um habitante de ilha solitário.

 

"Eu simplesmente não estava mais com vontade de viajar – sem interesse", explica. "Eu entendi que a jornada mais bonita, perigosa, cheia de aventura e gratificante de todas é a que existe dentro de você, esteja você sentado na sala ou debaixo de um toldo aqui em Budelli. É por isso que ficar em casa e não fazer nada pode ser realmente difícil para muitos."

Mas acrescenta: "Eu nunca me sinto sozinho".

 

Na visão de Morandi, a maioria das pessoas não quer ficar sozinha porque não aguenta sua própria companhia, e o isolamento obrigatório está forçando muitos a encarar isso.

E embora a crise atual apresente uma oportunidade de reavaliar suas vidas, diz ele, Morandi não acredita que muitos irão tirar o máximo proveito disso.

 

"Não acredito no poder de cura das pessoas para mudar", diz ele. "Talvez algumas pessoas consigam, mas a maioria está acostumada a confortos e estilos de vida frenéticos".

Enquanto isso, o tempo passa como sempre em Budelli.

 

O inverno deste ano foi mais ameno, com temperaturas de primavera e sol quente. O habitat da ilha permanece bastante intocado. Sem poluição. Águas turquesas fluorescentes e límpidas, vegetação selvagem exuberante, rochas em tons de roxo que lembram esculturas naturais e ar saudável.

 

"Minha gata morreu no outro dia, tinha 20 anos", diz Morandi. "Talvez esse clima traga longevidade."

'Tudo de que preciso'

 

Remontando aos tempos pré-históricos, quando a crosta terrestre ainda estava em formação, reza a lenda que a ilha é um fragmento do mítico continente perdido da Atlântida, engolido pelo oceano.

Mas a Budelli não está totalmente imune às mudanças climáticas e à destruição da natureza pelo homem, diz Morandi.

 

Não faz muito tempo, uma linha clara de areia rosada se formou ao longo da costa, feita de coral, cristais, fósseis e criaturas marinhas mortas, nas cores rosa choque, laranja e salmão, dando à costa um tom vermelho morango brilhante semelhante ao do céu do pôr do sol.

 

"Agora o rosa está quase desaparecendo, está difícil de ver", diz ele. "As direções dos ventos soprando sobre Budelli mudaram, a areia rosada não se acumula mais como antes."

O caos na Itália continental está permitindo que o zelador de Budelli ganhe tempo para seu próprio destino.

 

A propriedade da ilha mudou várias vezes nos últimos anos. Desde 2016, Budelli é um parque nacional pertencente ao governo, tornando a função de Morandi obsoleta – uma situação que ele tem combatido enquanto mora lá.

Por ora, a emergência do vírus provavelmente adiará qualquer decisão sobre seu futuro, embora sua casa em ruínas esteja precisando de uma renovada.

 

"Por enquanto, tenho tudo de que preciso. Há eletricidade – mesmo precisando de uma reforma –, água corrente e um fogão bem pequeno para aquecimento."

Nada a reclamar.

 

Ilha de Budelli, na costa da Sardenha, Itália

Fonte:CNNBRASIL

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