"Falhamos". Essa é a avaliação da promotora Tarcila Santos Teixeira, sobre a responsabilidade da sociedade e do Estado, prevista na Constituição, de garantir proteção integral a crianças e adolescentes, entre elas a menina de 10 anos que engravidou após ser estuprada no Espírito Santo. Trabalhando há oito anos com casos de violência sexual contra crianças e adolescentes no Paraná, Tarcila entende que tal 'derrota' tem forte ligação com questões como preconceito, misoginia e desinformação - e no caso da menina de São Mateus 'uma boa pitada de fanatismo religioso'. "Preferem condenar uma criança de 10 anos do que garantir a ela um mínimo de dignidade', diz.
Tarcila e outros especialistas consultados pelo Jornal avaliaram o cenário da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil à luz do caso que ganhou repercussão nacional nas últimas semanas. Eles frisam que a situação não é isolada, que deve-se cobrar a responsabilidade de todos sobre o combate a tais tipos de abuso e ainda apontam falhas em políticas públicas voltadas ao tema. Sobre a questão do aborto, que acabou ganhando centralidade na discussão, destacam que o procedimento é previsto em lei, defendendo que a sociedade cobre a disponibilidade do atendimento e a atenção do Estado para o tema.
No entendimento da promotora do MPPR, especialista em proteção Integral à criança e ao adolescente, houve no caso do Espírito Santo uma 'fragilidade' do sistema em amparar a menina. Ela destaca ainda que a violência sofrida pela criança corresponde a um padrão que se repete na maioria dos casos, levando em consideração a extensão do abuso, a idade, o perpetrador (integrante da família) e o fato de a violência ser praticada 'na clandestinidade, sem marca visível'.
"Esse caso até me causa certa perplexidade, porque a reação das pessoas se apega a questão da criança ter engravidado - e portanto há uma materialização que choca a sociedade, cobra da sociedade e põe a sociedade numa posição de dar conta de suas mazelas -, quando a gente sabe que esse abuso contra essas crianças é uma coisa muito comum. Mas é algo que está dentro de um contexto de invisibilidade, inclusive consciente. As pessoas não querem falar sobre", afirma.
A criança é a vítima em todos os sentidos, ressalta Tarcila. Segundo a promotora, é necessário atacar a violência sexual contra crianças e adolescentes em diferentes frentes, principalmente trabalhando com a ideia de prevenção, orientação e informação. Além disso, a especialista aponta para a necessidade de investimento em políticas e serviços públicos especializados, tendo em vista que o impacto dos graves abusos na vida das vítimas - "pode ser o que ouso chamar de morte em vida. É uma tristeza que é plantada dentro do coração dessas crianças e isso não está sendo trabalhado adequadamente", diz.
Fonte: Estadão